Três gestos

14/07/2019

1) La Reyna de Mexico [dezembro de 2017]

Esta mulher, eu a fotografei no México, na cidade de San Cristóbal de las Casas [povoado onde tradicionalmente se comemora a festa do dia de los muertos todo 2 de novembro]. Ela não me notou, mas a acompanhei por algumas quadras. Estes sorvetes, ela o oferecia a quem quisesse comprar, mas ninguém o fez. Era cerca de 18 horas, fazia frio. A cada quadra, os sorvetes iam lentamente derretendo. Sorvetes para ninguém. Ainda assim, a mulher caminhava sem vacilar. Apelidei-a assim por conta das bandeirinhas que enfeitavam a cidade na época.

2) Marguerite Duras [entre fevereiro e maio de 1984]

Duras anota estas palavras no seu livro O Amante: "...o limiar onde começa o silêncio. O que acontece é justamente o silêncio, esse lento trabalho de toda a minha vida. Ainda estou lá, na frente daquelas crianças possessas, à mesma distância do mistério. Jamais escrevi, acreditando escrever, jamais amei, acreditando amar, jamais fiz coisa alguma que não fosse esperar diante da porta fechada".

3) Luiza Erundina [julho de 2019]

Há uma foto sua circulando pela mídia. É datada da última semana, e deve ter sido tirada pouco antes das 9 horas do dia 11 ou 12. Erundina havia deixado o plenário às 2 da manhã da noite anterior, e foi a primeira a retornar ao local para acompanhar a votação sobre a reforma da previdência. Estuda, compenetrada. Sustenta uma voz importante e, mesmo sendo atropelada por uma agenda mais poderosa, tem minha irrestrita e comovida admiração.

Há um brilho da vida que passa por aí: afirmar-se em um fino e delicado gesto, só, oferecendo seu dom sem nenhuma garantia de resposta ou de solidariedade. Um ato que enlaça a solidão e ao mesmo tempo a insere no mundo, sustentado em sua potente e às vezes invisível exuberância. Gosto de escutar, encontrar, inventar este gesto. Chamo de milagre quando ele encontra inscrição e testemunho. Causa em mim uma vontade de dizer dele. Uma espera diante de uma porta fechada, um sorvete para ninguém, um voto vencido, tratados com o corpo inteiro. Eu os vi. Eu os digo.