Que se queira arder...

03/12/2020
Luciano Garbati - Medusa with the head of Perseus
Luciano Garbati - Medusa with the head of Perseus

Que se queira arder, até a pele já não conter o corpo, até a febre borrar o nome próprio e o desejo diluir-se na vertigem do indistinto...

Que se queira jejuar em uma espera infinita, preservando a pureza de um desejo, de um encontro por vir, finalmente tocável...

Que se queira devorar cada pedaço suculento do corpo outro, sentir a carne mastigada ocupando cada oco do seu interior...

Que queira oferecer-se como banquete e assim experimentar o êxtase de ser o objeto eleito para ocupar as entranhas irresistíveis daquele que te engole...

Que se queira ver, até a retina enceguecer diante da opacidade incessante que se esquiva do olho, ou fazer-se visto, até encontrar essa glande pulsante e faminta, desejosa de sua imagem complementar e faltante...

Que se queira falar, falar como quem faz uma ferida, ferida sob a forma de um sexo avermelhado, intumescido, latejante, inflamado, cegante, siderante, linguajado...

Que se queira saber, obter enfim o saber que barraria a hemorragia erótica, indiferente ao risco da imobilização infinita daquilo que falta à palavra para se dizer...

Que o outro caia, que perca a cabeça, que olhe, que chame, que sidere, que venha, que te aniquile, que te ignore, que te barre, que te esqueça, que te odeie, que o outro responda... 

O flerte com a miséria, com a catástrofe, com o imundo, com o indigno, com o obsceno, com o segredo, com a transgressão e "a violência elementar que anima, quaisquer que sejam, os movimentos do erotismo". Perder o eu, estar aí para dizer sim, com o máximo risco, o puro dom, puro jogo, sem cuidado, sem duração, sem limite, sem bem a salvar.

Copular na abertura que nenhum objeto detém, que nenhum nome faz justiça, que nenhum silêncio apazigua... abertura excessiva que se insurge e resiste ao fechamento em si mesmo. Que corpo-ferida já não padece dos excessos dessa doença chamada Erótica?

Do outro lado, fazendo suporte, tensão e resistência ao erótico, os artifícios e artefatos que produzimos para esse jogo: o amor, o trabalho, os interditos, a religião, a arte, o capitalismo...