Os parques reabrindo...

29/10/2020

Os parques reabrindo,
Um professor sendo degolado,
Um plebiscito escolhendo a escrita de uma nova constituição,
Um filósofo sendo destituído por aqueles que ele acredita poder ajudar a emancipar.

O desejo de escrever e o desejo de conservar, lado a lado, ligando, separando, ligando, separando... É que escrever serve menos para conservar que para poder perder.

Ademais, é espantoso os caminhos sinuosos que percorremos nessa inquietante alternância em que nunca se pode antever quais movimentos prevalecerão sobre outros. O rosto puro do desejo é irreconhecível.

O erótico insiste: querer a sedução e seus movimentos vertiginosos de saída de nós mesmos ou resistir a ela por uma recusa a morrer, a deixar-se morrer, a perder um ser que nem somos? Deixar-se mudar pela abertura ao outro ou fechar-se para conservar o apego à promessa de vir a ser? Jamais sabemos onde está o imperdível, ainda que o procuremos sem cessar. O ser, esse é o primeiro perdível!

Tocar o novo, abrir um espaço que em breve exigirá ser preenchido, não suportamos a abertura por muito tempo, ninguém que tem um corpo suporta. Preenchê-la com a garantia equivocada do conhecido ou entregar-se à loucura do aleatório? Localizar bordas para poder melhor transbordá-las? Você sabe: o poder nos seduz porque sabemos que ele é indomável.

Fechar nem sempre é morrer, assim como abrir nem sempre é viver. Ainda que possamos ter tanta gratidão, esperança, bons testemunhos e apostas no outro, ele nem sempre é encontrável, assimilável, suportável, viável. Nem todo outro produz ligação, movimento, abertura, febre. O outro também degola, também esmurra, também tortura. O outro também quer descansar da perturbação que minha diferença lhe evoca.Então o que é respeitar o outro? O que é dar-lhe voz? Deixar que fale? 

Por um lado, talvez seja também não perder de vista seu inassimilável, seu incooperável, a violência de sua não identidade, não reduzível ao que posso compreender dele, ao que podemos ter em comum. Ainda assim, temos a tarefa de existir ao lado desse outro que pode ser hostil demais, apaixonado demais, arisco demais, aberto demais, volúvel demais, frágil demais, forte demais. O outro é a salvação e a pedra no sapato. 

A ideia que quer florescer desta caminhada em uma manhã de primavera é a continuação da questão de outros: entre o poder (que quer concentrar) e o erótico (que dispersa), como tecemos nossa caminhada entre outros, embalados pelas perguntas que jamais serão respondidas?