O que chama

17/04/2017

Que eu publique uma foto como essa, isto exige que eu atravesse um umbral. Passa por desejar fazer da minha consternação algo de palavra; por desejar transmitir algo enigmático ao outro; por poder receber algo de volta (justamente em sua indeterminação); por realizar um exercício de tolerância para com o fracasso que sobrevém quando recorremos ao uso da palavra. Acima de tudo, passa por poder visitar esta identificação. Esta foto me recruta a este atravessamento profundamente assujeitante. Caso contrário, não escreveria.

Este homem de joelhos, é a partir de sua posição que um certo gesto pode ser endereçado, oferecido. É a partir de seu desamparo que pode haver lugar para uma resposta que suponha no outro algo além de uma ameaça, algo além de um obstáculo. Junto ao cair de joelhos, em meio aos estampidos do inferno, este sujeito ajudou a socorrer os sobreviventes feridos que ardiam no local.

De joelhos: o lugar de onde brota um gesto de laço.

Quanto a mim, que convite posso fazer ao outro para favorecer a ultrapassagem da resposta costumeira e ambígua: 'que horror!?' Será que alguém diz "que horror!" para não cair de joelhos? Descubro aqui, somente aqui, que faço desta foto a minha bomba. Transmito que esta foto me chegou como uma explosão. Me pôs de joelhos.

O paradoxo está no fato de que muitas vezes, só podemos cair de joelhos depois de muita ferocidade. Se leio algo do que a guerra condensa é o medo e o desejo de chegar a este ponto. É possível cair de joelhos sem precisar assassinar um semelhante ou testemunhar seu massacre?

É intrigante desejar que cada um encontre aquilo que pode trazê-lo de joelhos e que possa fazê-lo de forma menos truculenta. Que encontre o local de onde brota seu próprio gesto. Que cada um possa recuperar aquilo que evoca a marca do que é estar aí e que mantenha viva a potência perturbadora dela.