Fascinus

02/09/2020

Imagem irresistível, que concentraria todos os poderes do encantamento, "o fascínio é a paixão da imagem" diz Blanchot. Encaixe entre objeto e olhar, mas que poderia muito bem dizer igualmente do encaixe entre a voz e um ouvido. Uma voz fascinante, tal como o efeito produzido pelo canto das sereias. Cópula de partes complementares que prometem compor um único ser. Efeito de permanecer pregado, tal como uma presa devorada pela imagem. A fascinação acontece quando ver é um contato que aboliria toda distância (já que 'ver' implica em poder recortar algo).

Na Roma Antiga, a representação do membro masculino ereto, especialmente sob a forma de amuleto, usado para afastar o mau-olhado, a calúnia e a fofoca era chamado de fascinus. Recomendado também como remédio contra a inveja, possuía caráter de feitiço, encanto ou maldição que se joga em alguém. A palavra latina designa essa operação mágica pela qual a vítima é impactada pelo poder de uma imagem: "eu te ofereço um fascinus, isto é, te enfeitiço para que me deixe em paz". Fascinatio é a relação entre o objeto fascinante e o olhar fascinado, e que poderia exercer seu apelo também pela emoção, vergonha ou riso produzido pela obscenidade.

Para além do interesse sobre quais imagens cada cultura elege e legitima como condensando (folcloricamente) este poder, escolho meditar sobre a captura propriamente dita. Ainda que estejamos sujeitos às coordenadas de cada época, a imagem fascinante ainda é um acontecimento particular a cada um. Através de um efeito de petrificação, paralização, inibição motora, a imagem fascinante exerce efeito hipnótico sobre o olhar. De todo modo, aquilo que nos fascina nos arrebata do poder de tomar uma distância que organize um sentido.

"O fascinus detém os olhos a tal ponto que eles não conseguem desviar", diz Pascal Quignardem O sexo e o assombro. Interessa-me a fascinação pela sua relação com a sedução. Ambas estariam em polos opostos, na medida em que a sedução sustenta um movimento que, no fascinado, resta petrificado.

Blanchot afirma que o fascínio é não apenas um olhar ao incessante, ao interminável, mas também é uma impossibilidade de não ver: "olhar convertido no fantasma de uma visão eterna". Um olhar de reprovação de alguém querido, a visão do objeto amado nos braços de outra pessoa, o contato com o corpo morto de alguém muito presente, a fascinação suspende o desejo e congela o sujeito em um tempo morto, fagocitado pelo referente fascinante.

Uma cigana com os seios de fora ensinando algo, um pai com um olhar triste e uma bola de futebol ao pé, um soco seco sobre uma mesa, a visão úmida de uma orgia escrita, uma arma apontada em sua direção, uma idosa perdendo suas fraldas em um quarto fétido, um rosto estrangeiro e corado em frente a uma ponte, um tom de voz que responde a uma demanda de amor... se virou palavra, já não fascina, mas pode operar efeitos de atração, de laço, de ferida, de corte.