Aportes para uma reabertura ao conceito de erotismo na psicanálise

07/11/2016

INTRODUÇÃO

O texto a seguir representa um esforço extremamente condensado para recuperar a noção de erotismo e pensar sua ressonância em um debate junto (e não exatamente dentro) ao campo psicanalítico. Este objetivo se impõe à medida em que é possível observar o tratamento que o termo obteve na escrita tanto de Freud quanto de Lacan, em inquietante contraste com a riqueza que lhe foi conferida nos campos da literatura, da poesia e da filosofia, com Georges Bataille, Octavio Paz, Roland Barthes e outros.

O tema parece reservar uma potência relevante e talvez subaproveitada pelos psicanalistas, sobretudo porque o erotismo pode ser lido como uma modalidade de conhecimento humano (aqui, leio a erótica como um saber próximo àquilo que Lacan chamou de savoir en échec (p. 17), em seu texto Lituraterra (2003a): saber em fracasso, distinto de um fracasso do saber). Esta modalidade se configura como via privilegiada de constituição de experiência, aspecto que se apresenta na medida em que evidencia um paradoxo: o fenômeno erótico produz uma nova intimidade (extimidade) ao dissolver e perturbar a identidade prévia ou, dito de outro modo, a consistência narcísica do sujeito. Tais questões configuram impasses quando entendemos em que o narcisismo se sustenta em franca oposição ao erótico.

Chama a atenção o fato de o termo não ter sido alçado à especificidade de um conceito dentro da psicanálise. Grosso modo, Freud o tratou de forma ambígua e ora o fez equivaler à noção de sexualidade, ora recorreu à especificidade do adjetivo para caracterizar algumas zonas corporais privilegiadas na relação com a pulsão, ora alinhou o erótico ao "Eros dos filósofos e poetas, que mantém unido tudo o que vive" (1920/2010, p. 221).

Embora não haja nenhuma unanimidade quanto à definição exata do erotismo, podemos encontrar produções significativas nos campos da literatura e da filosofia e tomá-las como um convite fecundo à psicanálise. Acima de tudo, porque podemos ler o erotismo como uma atividade exclusivamente humana, ação específica realizada a partir da sexualidade bruta, e que a ultrapassa. O erotismo é uma produção singular e histórica, como verificaremos adiante, e vai na contramão da condição paranoica de constituição do Eu, como tematizada por Lacan.

Antes de prosseguirmos, uma nota: uma das próximas tarefas nesta direção de pesquisa, convite aberto a qualquer pesquisador interessado, talvez seja o de investigar de maneira mais exaustiva as semelhanças e diferenças com outros conceitos do campo psicanalítico: gozo, real, o próprio inconsciente, o desejo, a associação-livre. O erótico parece estar em franca relação com todos estes termos, embora não coincida com nenhum deles. Até o momento, no entanto, tal exercício escapou ao escopo desta investigação.

O EROTISMO NA PSICANÁLISE

O erotismo jamais chegou a obter o estatuto de conceito delimitado em Freud, tampouco em Lacan. O levantamento bibliográfico aqui apresentado não se pretende definitivo, mas não é difícil identificar, após uma consulta à internet ou à vasta produção de livros sobre psicanálise, que esta, empenhada em jogar luz no campo da sexualidade, em estudar as condições que determinam nossa vida amorosa, fazendo-a remontar ao infantil e às condições de subjetivação de nossa estrutura pulsional, não se ocupou até o momento de rever a problemática contida neste campo. Isto não quer dizer que os psicanalistas não reconheçam a riqueza e complexidade deste aspecto da experiência humana mas que fazem uso de chaves de leitura sobre os impasses da vida amorosa que, até o momento, dispensam (ou desconhecem) um ângulo, sob o nome de erotismo, que talvez mereça ser recuperado.

Assim, conceder uma especificidade ao erotismo representa propor um rearranjo de elementos que já são reconhecidos pela psicanálise, ainda que por outras vias e através de outras nomeações. Junto a isto, conceber tal alternativa talvez favoreça o objetivo de extrair novas implicações na reflexão sobre a prática clínica. Em última instância, eis um esforço erótico.

Vemos que os recortes encontrados em alguns textos centrais de Freud se apresentam de forma descontinuada. Em Esboço de Psicanálise (1940 [1938]/2006), derradeira e inacabada revisão de sua construção teórica, temos nota do seio sendo chamado do primeiro objeto erótico da criança (p. 202). Aqui, erótico é tomado como adjetivo, e claramente sinônimo de sexual.

Equivalência similar já havia sido feita em 1921, quando Freud escreve Psicologia das Massas e Análise do Eu. Para o autor, o erotismo corresponderia a um eufemismo ou um nome mais polido para falar da sexualidade. É difícil compartilhar de tal receio, sobretudo porque podemos encontrar junto ao termo uma verdadeira tormenta de eventos. De todo modo, a citação original assim diz:

Na psicanálise esses instintos amorosos são chamados, a potiori (...) de instintos sexuais. A maioria das pessoas "educadas" sentiu-se ofendida com essa denominação (...). Quem toma a sexualidade por algo vergonhoso e humilhante para a natureza humana tem inteira liberdade para usar expressões mais nobres, como "Eros" e "erotismo". Eu próprio poderia tê-lo feito desde o início, poupando-me de muita hostilidade. Mas não quis fazê-lo, porque prefiro evitar concessões à pusilanimidade. (1921/2011, p. 44-45, grifo meu)

Juntemos as ideias centrais e as implícitas: Freud diz que a natureza humana é sexual (ou erótica), guiada originalmente pelo princípio do prazer, e requer objetos que encarnem, que evoquem certas qualidades para a realização pulsional. Por sexual, Freud assinala em diversos momentos de sua obra o movimento pulsional em busca de um encontro com um objeto que represente um substituto ao objeto mítico, desde sempre perdido. O campo onde tal busca se evidencia, as coordenadas e o enredo fantasmático constituído para esta busca, é o que chamaremos de campo sexual.

De todo modo, deve constar aqui que um dos desafios centrais nas elaborações freudianas foi o de lidar com a coexistência de forças conflitantes no campo sexual: ternura e agressividade, ligação e ruptura, pulsão de vida e pulsão de morte. Eros buscaria a ligação, Tânatos consistiria na força de retorno ao inorgânico e, portanto, de desligamento dos objetos.

Já em Lacan, o tratamento do tema se manifesta por via um pouco diversa. As menções mais significativas encontradas estão compreendidas entre os seminários VII e IX. No primeiro, Lacan se pergunta porque a psicanálise não foi mais longe na investigação de uma erótica (1959-1960/2008, p. 20). Atrela, ainda, a condição de evolução do tratamento à de evolução da erótica (p. 26). Já no Seminário A Identificação, comunica que não caberia aos analistas adotarem nenhum um modelo prévio de erótica na direção de um tratamento, já que tais soluções deveriam ser tratadas pelos analistas caso a caso:

O que vocês têm a fazer, isto é, obviamente, [é] não pregar uma erótica, mas se virar com o fato de que, mesmo entre as pessoas mais normais e no interior da aplicação plena e inteira, e de boa vontade, das normas, bem! Isso não funciona. (...)

Isso não faz de vocês os propagandistas de uma erótica nova, isso lhes situa o que vocês têm a fazer em cada caso particular (...) aguardando o astronauta da erótica futura, soluções artesanais" (1961-1962/2003b, p. 194-195, grifos meus)

Considerando que nenhuma definição aberta foi dada, temos que considerar que qualquer tentativa de leitura sobre o termo erotismo em Freud ou Lacan precisa partir de um esforço de interpretação possível para cada texto. Em nenhum lugar de suas obras ambos sentiram a necessidade de definir o que entendem por erótico, e por isso caberia a nós o esforço de tentar entender junto a que outras ideias este vocábulo trabalha como suporte: sexual, libido, pulsões de vida e de morte, desejo, gozo, etc.

Constatada esta lacuna, proponho a seguinte leitura: uma erótica implica em uma resposta ao sexual, um esforço de realização do sexual. Trata, portanto, dos aspectos da fantasia que visam regular uma distância singular, de modo que possibilite o agenciamento entre pulsão e os objetos candidatos à sua satisfação, e que interprete - ou seja, que atribua uma representação - à parcela de frustração e desencontro que sempre sobrevém neste caminho.

Dunker adota uma distinção útil a nossos propósitos: "o erotismo não equivale ao campo geral da sexualidade (...). Há erotismo quando a sexualidade apresenta-se de forma atualizada pela mediação de uma fantasia" (2003, p. 119). Assim, cada sujeito é marcado de uma forma específica pelo objeto que o constitui. Desta forma, a erótica consiste em um modo de organização em torno do vazio no qual um furo e uma perda se inscrevem. O erótico desvela e institui a potência da marca desta perda. Consiste em um conjunto de estratégias (inconscientes) de abordagem do objeto (inexistente). É, portanto, um saber inconsciente com o qual o tratamento analítico propõe travar contato e escutar alguns de seus efeitos no sujeito.

Vale relembrar que, quanto ao saber que o erótico desvela, o Eu se constitui justamente para neutralizá-lo, oferece uma via alternativa que valoriza o controle, o domínio, o sentido delimitado, as fronteiras, o cálculo da dimensão fálica, imaginária, visível. O erótico está situado em outro domínio, e só pode ser experimentado na medida em que faz furo ou que escapa às defesas egóicas.

Se o erótico é o que indica que o objeto me escapa, ao mesmo tempo em que me causa, então qualquer relação diante dele só pode ser de sobredeterminação. Não existe mestria possível sobre isto que me é não apenas excêntrico como irredutível a qualquer objeto concreto. A causação do desejo, campo do erótico, portanto, está fora do império do Eu.

Assim, caberia pensar em modalidades possíveis de relação com esta estrutura: a anorexia como erótica (ou como negação dela), a melancolia, a neurose obsessiva, etc. Se a sublimação, a arte e a ciência são uma erótica (como diz Lacan no Sem. VII), o amor cortês outra, a transgressão outra, se a histeria é uma erótica, todas o são na medida em que funcionam como tentativas sistemáticas, quiçá estéticas, de lidar com a toxidez inelutável do sexual.

UMA PROPOSTA PARA A ESPECIFICIDADE DO FENÔMENO ERÓTICO

Colocadas algumas considerações iniciais, realizo a seguir uma sugestão inicial de agrupamento que marque alguns traços relacionados ao erotismo por autores oriundos da psicanálise, da filosofia e da literatura. Como já foi dito, não é intenção deste texto esgotar a análise sobre o conceito, mas tão somente explorar possibilidades de abertura para diálogos com a prática clínica. A opção foi por buscar alguma diferenciação entre as particularidades do tema, ciente de que se trata de um arranjo apenas temporário. Os temas se misturam e as fronteiras são insuficientes.

1) O erotismo como fenômeno da ordem do indizível, enigmático

Consideremos, de saída, um paradoxo: o erotismo se afigura como experiência do sem-palavra, do indizível, do incompreensível. Não são poucos os autores que apontam para o desafio de dar conta de escrever sobre o fenômeno erótico. Lou Salomé, célebre contemporânea de Freud, publicou em 1910 dois ensaios destinados a refletir sobre a problemática do erotismo e do amor.

Para ela, o erotismo refere-se, "ao que não podemos conhecer de experiência precisa a não ser subjetivamente" (1991, p. 13). Desta forma, chega à problemática inicial: "A ambiguidade, a bipartição, caracterizam de um modo tanto mais típico o problema do erotismo, quanto ele parece resistir mais do que qualquer outro às definições, flutuando entre o físico e o espiritual" (p. 14). Trata-se de fenômeno posterior à sexualidade, discriminado dela. Requer um interesse pelo enigmático. Além de enigmático, portanto, o erotismo é também bífido.

Paz (1999), poeta e ensaísta mexicano, que publicou dois grandes estudos sobre o erotismo, também chega a constatações similares: "O erotismo é desejo sexual e alguma coisa mais; e esse algo mais é o que constitui sua própria essência" (p. 22, grifo meu). Em outra passagem, menciona "a fascinação erótica, o que me tira de mim mesmo e me leva até você: o que me faz ir mais além de você. Não sabemos com certeza o que é, só que é algo mais" (p. 35). Aqui, diz duas coisas: erotismo como experiência do inominável e como algo para além da sexualidade, alinhando-se, neste quesito, com Salomé e, de alguma forma, próximo à Freud: o erotismo liga o sujeito com algo para além dele mesmo.

Castello Branco (2004), por sua vez, articula uma leitura que nos ajuda a pensar o erotismo inclusive no encontro clínico, permeado por um certo desconhecimento generalizado, aplicável tanto à figura do clínico como do analisante. Haveria lugar mais aberto ao erótico que um setting analítico? Em se tratando de pulsão, de gozo e de inconsciente, melhor seria reconhecer e acolher tal natureza esquiva:

Definir erotismo (...) seria caminhar em direção oposta ao desejo, ao impulso erótico, que percorre a trajetória do silêncio, da fugacidade e do caos. O caráter incapturável do fenômeno erótico não cabe em definições precisas e cristalinas - os domínios de Eros são nebulosos e movediços (p. 7).

Neste caso, não entendemos o erotismo como válido para todo o campo do indizível, mas para o indizível que provoca um disparo. Ainda que o sujeito recue diante desse disparo, que se paralise diante do choque erótico, trata-se de um indizível manifesto, por assim dizer, algo que se apresenta à percepção, algo que toca o corpo.

2) O erotismo como experiência do irrepetível

Outra faceta do erotismo está em seu caráter irreproduzível, como o atestam diversos autores. É de Salomé o próximo comentário:

A exigência da escolha, do objeto erótico e do momento do amor (...) é paga pelo esgotamento que em breve provoca tudo aquilo que mais violentamente se desejou, e por isso pelo desejo do que nunca se repete, a força ainda intacta da excitação: a mudança. Pode se dizer que a vida erótica (...) se funda no princípio da infidelidade (1991, p.22, grifos meus).

Valorizo a expressão do que nunca se repete como representando o cerne deste conceito. O erotismo está no campo do desejo, como aquilo que escapa à demanda, arisco à permanência e à estabilidade, coadunando-se com as descrições freudianas sobre a libido e as pulsões de vida.

Sappho, poetisa grega do século VII a.C., chegou a comparar Eros a uma "serpente invencível", criatura "ao mesmo tempo doce e amarga", "inconstante e fugaz" que "acende nosso desejo" (1996, p. 20-21). Seus tocantes fragmentos descrevem de forma aguda os estados que podemos experimentar diante da presença insinuada do objeto desejado.

Podemos encontrar nisso, ainda que por outro caminho, uma concordância com as ideias freudianas. Em Mal-Estar na Civilização, Freud trabalha com a ideia de que o que chamamos de felicidade consiste, na maior parte das vezes, de satisfações repentinas e episódicas: "somos feitos de modo a só podermos derivar prazer intenso de um contraste, e muito pouco de um determinado estado de coisas" (1929[1930]/2006 p. 84).

Salomé dá ainda ênfase à ideia de que "o excesso espiritual em que se satisfaz esta vibração se harmoniza de certo modo com uma tecla tocada pela primeira vez, tomando o partido de todas as aspirações a um estado obscuro e inexprimível" (p. 36, grifos meus). A autora complementa em outro trecho: "é por isso que o erotismo (...) deve ser indubitavelmente, em sua essência, concebido como um ato intermitente, que surge e se interrompe, e de que nem a intensidade nem a felicidade de que nos inunda esclarecem, em cada caso particular, sua duração provável" (p. 93-94, grifo meu). São grifos pulsantes, que ajudam a marcar que o erótico é uma qualidade possível, mas não equivalente, do campo sexual, e que depende de elementos imprevistos, muitas vezes contingentes.

Com Paz (1999) mantemos diálogo especializado: "O erotismo não se deixa reduzir a um princípio. Seu reino é o da singularidade irrepetível; escapa continuamente à razão e constitui um domínio oscilante, regido pela exceção e pelo capricho" (p. 55-56). E continua logo a seguir: "Todos os atos eróticos são desvarios, desarranjos; nenhuma lei, material ou moral, os determina. São acidentes, produtos fortuitos de combinações naturais" (p. 56-57).

O que temos aqui e qual seu diálogo com a clínica? Em primeiro lugar, que o analista está diante de um processo da ordem do imponderável. Em segundo, que, em algum nível, está advertido e subordinado às manifestações do erótico, podendo apenas avaliar suas consequências à posteriori. O manejo transferencial depende da capacidade de escutar este campo, certamente correlato da abertura do inconsciente, e posicionar-se diante dele. Não se trata de um ingresso em um campo aberto a qualquer um ou a qualquer instante, mas de uma abertura imprevisível, intermitente, infiel. Implica, ainda, na inclusão do tempo de espera do acidente erótico, concomitante ao vacilo nas defesas do Eu. Isso não deveria surpreender-nos, pois faz coro tanto com o conceito de inconsciente quanto de suas formações, os lapsos, os sonhos, etc.

3) O erotismo como criação e como experiência na linguagem

Existe uma associação diretamente possível entre o erotismo e as forças criativas. Ao promover o encontro com a surpresa e com o indizível, abre-se no sujeito o contato com possibilidades inéditas de perceber seus tais acidentes e, portanto, de nomear vivências até então insabidas.

Assim, uma das formas para expor o erotismo estaria na poesia. Bataille dirá: "a poesia conduz ao mesmo ponto que cada forma do erotismo, à indistinção, à confusão dos objetos distintos" (2013, p. 48), enquanto Paz assinala que "a relação entre erotismo e poesia é tal que se pode dizer, sem afetação, que o primeiro é uma poética corporal e a segunda uma erótica verbal" (1994, p. 12). Notamos que há ainda outra um grifo convidativo: a capacidade de se erotizar a linguagem. Existe um erotismo verbal ao qual a poesia dá vida, dirá Paz. Quanto a esta natureza, oferece a seguinte construção:

O testemunho poético nos revela outro mundo dentro deste, o mundo outro que é este mundo. Os sentidos, sem perder seus poderes, convertem-se em servidores da imaginação e nos fazem ouvir o inaudito e ver o imperceptível. Não é isso, afinal, o que acontece no sonho e no encontro erótico? (1994, p. 11).

Aqui, Paz nos lega esta associação com o sonho, elemento tão caro à psicanálise. Quando a imaginação é capaz de ouvir algo da ordem do inaudito, quando os sentidos permitem que se acesse uma outra cena para além do visível, estamos no domínio do erotismo.

Assim, o poeta mexicano marca "as afinidades entre erotismo e poesia: o primeiro é uma metáfora da sexualidade, a segunda uma erotização da linguagem" (p. 49). O erotismo tem a estrutura de uma metáfora que, por sua vez, procura responder à interpretação possível de ser feita sobre o objeto, aquele mesmo que, em Freud, jamais será reencontrado. Complementa a seguir:

O erotismo é exclusivamente humano: é sexualidade socializada e transfigurada pela imaginação (...). A primeira coisa que diferencia o erotismo da sexualidade é a infinita variedade de formas em que se manifesta, em todas as épocas e em todas as terras. O erotismo é invenção, variação incessante; o sexo é sempre o mesmo (p. 16)

Lacan, por sua vez, instituiu um debate fundamental entre os seminários 18 e 20, onde realiza um longo desenvolvimento sobre a ideia de que "não há relação sexual". É porque não existe esta proporcionalidade, uma razão de complementaridade que situe a diferença entre os sexos, é nesta hiância que a linguagem tem lugar, como tentativa de escrever esta impossibilidade. Lemos, portanto, a consequência desta ideia: é justamente porque não há relação sexual que há erotismo. É nesta medida que o fenômeno erótico adquire centralidade na experiência humana. O erotismo implica em habitar esta distância que torna impossível qualquer estabilização imaginária.

De seu Seminário "De um discurso que não fosse semblante", recolhemos a passagem onde Lacan assinala que "não há relação sexual no ser falante", para logo em seguida complementar: "é que a relação sexual (...) só subsiste, em última instância, a partir do escrito" (p. 60). Pouco depois, Lacan reitera tal implicação: "a relação sexual é a própria fala" (p. 77). Trata-se de salientar a escrita como tentativa interminável de nomear a impossibilidade de inscrição da proporção sexual.

Luciana Brandão Carreira (2017), ao estudar as relações entre o erotismo e a escrita, marca este lugar de limite para além do qual a invenção se impõe: "Essa modalidade de texto, que aponta ao lugar vazio da morte enquanto abismo da significação, indica o tópos de onde uma genuína invenção pode surgir, através da criação de uma nova retórica. Quando é preciso dizer mas não se tem meios para fazê-lo, forja-se essa novidade".

Sobre o entrelaçamento entre erótico e linguagem, talvez ninguém melhor que Barthes (1981) tenha conseguido articular de forma tão sensual a pertinência da palavra no fenômeno erótico:

A linguagem é uma pele: esfrego minha linguagem no outro. É como se eu tivesse palavras ao invés de dedos, ou dedos na ponta das palavras. Minha linguagem treme de desejo. A emoção de um duplo contato: de um lado, toda uma atividade do discurso vem, discretamente, indiretamente, coloca em evidencia um significado único que é "eu te desejo", e liberá-lo, alimentá-lo, ramificá-lo, fazê-lo explodir (a linguagem goza de se tocar a si mesma); por outro lado, envolvo o outro nas minhas palavras, eu o acaricio, o roço, prolongo esse roçar, me esforço em fazer durar o comentário ao qual submeto a relação (p. 64)

O que tanto Carreira quanto Barthes valorizam diz respeito à potência que uma certa escrita tem de evocar o erótico. Para Carreira, esta escrita é aquela que "advém a partir de uma posição discursiva aberta ao feminino, ao Gozo feminino. Uma abertura para a transgressão, tentativa de se ir além dos limites da língua, do corpo e da narrativa. Numa trilha além do prazer, além do princípio do prazer". Certamente em consonância com o que Barthes chama de escrita de gozo, como será abordado a seguir.

4) O erotismo como dissolução de formas

Como já foi dito no desenvolvimento freudiano do tema, o erotismo é uma experiência antiegoica, ou seja, em antagonismo com as funções do Eu. Onde este busca a síntese, a integração, a unidade, aquele oferece a dissolução, a fragmentação, a transgressão, a livre associação. Como diz Salomé, segue o princípio da infidelidade; como dizem Bensusan e Antunes, segue o princípio da desordem: "Eros junta e separa (...) O erótico provoca outra destruição (...) É a voz que faz com que nossos corpos se joguem. O erótico dissolve" (Bensusan et al., 2012, p. 89). Paz caminha para a mesma direção: "O princípio vital, a raiz geradora do erotismo, é a dissolução universal" (1999, p. 91).

O erótico não se apega a um objeto específico, pois seu objetivo é o deslocamento, e procura fazer deste movimento um jogo cujo fim é ele mesmo. Assim, no âmbito clínico, convidar o paciente para que associe livremente, que abdique de suas censuras egóicas, favorecer este tal ambiente, corresponderia a convidá-lo a deixar que o erótico surja. Sobre este aspecto de jogo, Castello Branco diz que o erotismo "corresponde a uma modalidade não utilitária de prazer exatamente porque propõe o gozo como fim em si" (2004, p. 24).

Os já citados Bensusan e Antunes destacam esta faceta ao iluminar mais princípios desse fenômeno: "Há uma maneira de pensar sobre o erótico entre as forças de dispersão, como o avesso da retenção" (2012, p. 83). O corpo, que tomamos como unidade humana fechada, não chega a ser considerado como definição final de fronteira, pois o erotismo tende a alternar as noções de parte e de todo: "O erótico não reconhece partes prontas, ele reconhece composições. É a força das burilações, dos novos ensaios, dos processos que não se solidificam" (p. 89)

No erotismo, os corpos estão à disposição de outra coisa que não simplesmente eles mesmos. Há um elogio possível de ser feito à subversão que o erótico produz:

A força erótica não está sob nosso controle, é força de conexão, não de domínio como aquela que rege o movimento das nossas falanges (...) é uma apresentação da vulnerabilidade - esta é a força do erótico, da destruição das coisas prontas. A força de quem pode ser afetado. Não uma força que se cristaliza em poder, mas uma força como a do vento, que passa. Uma força de espalhamento, uma ânsia de destituição, a que estamos sujeitos. (p. 88-89, grifo meu)

Certamente o que faltou às elaborações de Freud pode ser pensado a partir das contribuições destes autores, na medida em que desfazem a oposição que haveria entre pulsão de vida e pulsão de morte: a primeira como ligação e a segunda como desligamento, supostamente antagônicas. Na verdade, tanto ligação quanto ruptura mudam as formas instituídas e, portanto, rompem com a continuidade:

estão do mesmo lado porque ambas são forças centrífugas, as duas mobilizam as partes para o espalhamento e a dispersão, não que com isso o amor perca sua capacidade de construir e reunir, mas a própria noção do que seja construir e reunir se modificam completamente (...) É que o amor não se contrapõe ao conflito, e não haveria sentido contrapô-lo a não ser desde a influência das forças centrípetas que buscam convergir em um centro sólido e protegido, um centro civilizado e comportado que não traz nenhum risco, que conserva sem nenhuma doação, que busca reter e acumular (p. 87).

Quando Barthes propõe discriminar um texto de prazer de um texto de gozo (1973), ele reserva para este último o poder de vertigem e de estranheza que talvez interesse ao diálogo com o erótico. Em uma escrita de gozo, na ideia de Barthes, não se trata de um prazer comedido nem previsível, mas de uma ruptura com normas: "Texto de gozo: aquele que coloca em estado de perda, aquele que desconforta (...), faz vacilar as bases históricas, culturais, psicológicas, do leitor, a consistência de seus gostos, de seus valores e de suas lembranças, coloca em crise sua relação com a linguagem" (p. 25-26).

Quanto a Bataille, seu livro O Erotismo (2012) apresenta algumas modalidades para pensar este conceito, ao apostar em sua dinâmica entre continuidade e descontinuidade. Para ele, o erotismo se constitui a partir de uma relação entre interdito e transgressão. O interdito produz o acúmulo de energia necessária ao jogo erótico. É aqui onde seu texto fala com mais vigor: "Toda a operação do erotismo tem por fim atingir o ser no mais íntimo, no ponto em que o coração desfalece. A passagem do estado normal ao de desejo erótico supõe em nós a dissolução relativa do ser constituído na ordem descontínua" (p. 41). Pouco adiante, diz que "toda a operação erótica tem por princípio uma destruição da estrutura do ser fechado que é, no estado normal, um parceiro do jogo" (p. 41). Assim como para outros autores, em Bataille o erótico está presente na irregularidade, na sua desconsideração para com as consequências. O erótico consiste em tomar o corpo e o humano como uma parte - descontínua - de um todo contínuo. Abrir-se para esta relação é contemplar o abismo de tal entrega.

5) O erotismo como experiência do excesso e como violência

A quinta e última proposta de faceta do erotismo diz respeito ao seu aspecto destrutivo, visto que aqui se afigura o caráter de desconsideração deste fenômeno para com qualquer ideia prévia de Bem, como tematizado por Lacan em seu Seminário VII; para com qualquer proveito utilitário, como tematizado por Bataille; e até mesmo de amor e preocupação com a perpetuação da espécie, como pretendido por Freud em Mal-Estar na Civilização.

Para Bataille, há no erotismo uma manifestação indissociável da morte. Dirá de seu caráter transbordante: "Há um excesso horrível do movimento que nos anima. O excesso ilumina o sentido do movimento" (p. 42). Em outro momento: "Há na natureza e subsiste no homem um movimento que sempre excede os limites, e que jamais pode ser reduzido senão parcialmente. Desse movimento, geralmente não conseguimos dar conta" (p. 63-64).

O autor francês é taxativo ao falar da "violência elementar, que anima, quaisquer que sejam, os movimentos do erotismo. Essencialmente, o domínio do erotismo é o domínio da violência, o domínio da violação" (p. 40). A violência reside sempre na mudança de um estado de continuidade - de um ser fechado em si mesmo - para um estado de descontinuidade, em que o ser se abre para integrar-se com um todo maior que ele: "o arrancamento do ser à descontinuidade é sempre o mais violento" (p. 40).

Leitor de Bataille e alinhado com este, Fédida oferece uma conclusão intrigante para pensar esta ideia de excesso que atravessa a experiência humana:

A Erótica traz em si mesma um fracasso, um estranho fracasso. Este fracasso é uma espécie de defeito, resultante da ameaça sempre iminente do seu excesso. A Erótica é o excesso, o excesso que não poderia ser compreendido diretamente na inadequação de todo objeto. O defeito inerente à Erótica e ao erotismo seria próprio à condição humana, condição humana que (...) faz pensar que ser homem é ser doente (1991, p. 93)

Fédida sustenta a ideia de que a sexualidade desempenha uma função que passa ao largo de qualquer pretensão à harmonia: "A sexualidade, em sua descoberta freudiana, decerto não corresponde a um ideal de felicidade, mas a uma função tóxica. Isto se enquadra inteiramente na perspectiva que evoquei (...), a de uma autotoxicidade humana" (p.99).

Quanto a este caráter tanático, Castello Branco esclarece esta mistura entre o erótico e o mortífero: "O erotismo é sempre este salto no escuro, o salto terrível e fascinante para além de si mesmo e, simultaneamente, o contato íntimo com essa presença materna, originária que nos habita. É origem e fim, é vida e morte" (p. 41). O erótico abarca em sua fonte o lugar da presença materna, que nos funda e que fica em nós ao longo de toda a vida.

Inconclusão

Ao reunir todos os atributos que puderam ser associados ao erotismo, encontramos nele um fenômeno intermitente, intelectual, civilizatório, histórico, transgressor, singular, não inteiramente subjetivável, disruptivo, criativo, violento, vertiginoso... Entre a retenção e a dispersão, entre o acúmulo e o gasto, entre a ligação e a ruptura, está o sujeito humano, posto diante do impasse de responder a motivações conflitantes em seu ser.

Os autores aqui reunidos fazem um desenvolvimento distinto e consideravelmente mais rico daquele que foi possível a Freud. Enquanto para este o erótico poderia corresponder ou ao impulso sexual em direção ao objeto, ou à qualidade atratora de um objeto, ou à aptidão de uma zona corporal para experimentar uma reação de prazeirosa descarga sexual, para os demais, o erotismo serve-se do impulso sexual puro para rearranjar os elementos e desconstruir estruturas.

Diante de todas estas manifestações do erotismo, seria preciso conceder a ele seu caráter de violência sobre o narcisismo e sobre um dos princípios que governam o funcionamento mental do psiquismo, a saber, o da inércia. Em oposição à tendência à homesostase, o erotismo se afigura como ruptura, subvertendo lugares e desconsiderando os princípios de defesas estabilizadoras. O erotismo é um paradoxo, ambiguidade ineludível entre vida e morte, entre permanência e reinícios. É um espaço de tensão com vigor próprio. Ao homem, cabem recursos para acolher suas formas e mecanismos para se defender de seus efeitos e excessos.

Encontramos em praticamente todos os autores dos campos da literatura e da filosofia, um certo elogio à beleza perturbadora e violenta contida no erotismo, e que procura fazer do padecimento à irrupção das pulsões e da própria constituição gozante do sujeito uma experiência não apenas digna, mas humanizante.

Ademais, um atributo diretamente responsável pelo erótico é a própria estrutura da linguagem, desde sua origem apartada da Coisa, sempre em relação a um vazio constitutivo e insuturável que justamente a possibilita em seu contínuo deslizamento. Que nos constituamos como seres falantes, passagem que implica em uma perda primeira de gozo, tal fato nos condiciona como sujeitos erotizados, isto é, desde sempre remetidos ao que a linguagem traz de impossível de dizer e que, no entanto, não cessa de tentar cingir e bordejar.

Em análise, aquilo que é vivido como pura repetição impensada, como compulsão agida no interior do sujeito, mas projetada para fora de sua consciência, tem a ver com o erótico. Podemos pensar isto como da ordem do gozo, da pulsão de morte, da compulsão à repetição, conceitos já conhecidos. No entanto, a proposta sustentada aqui é a de que investigar a amplitude de sutilezas que dizem respeito à noção de erotismo é útil para favorecer a escuta dos principais desafios clínicos: a transferência, e o amor que ela evoca, a resistência, a repetição, a relação com o sintoma e a sustentação da condição de divisão subjetiva.

Pois como pensar a obtenção de satisfação na precisa tensão de ser esticado e esgarçado entre unidade e fragmentação, entre conhecido e desconhecido, entre autonomia e assujeitamento? Seria o humano este lugar (atenção: lugar, e não substância) onde polos antagônicos se arranham e dividem o espaço no qual buscam, ininterruptamente, se afirmar? Onde cada voz pode tornar-se expressão disto que Fédida chamou de estranho fracasso? A questão que talvez possa nortear esta sequência de impasses diz respeito a como poderíamos tirar proveito desta irrupção: se o erotismo enlouquece, se destrói, se rompe e reorganiza, se dissolve, assusta, encanta, sidera, de que proveito estaríamos falando? Um proveito à posteriori, talvez, quando a angústia diante de algo de real pode virar palavra, gesto, obra? Como fruir deste desmanchamento intermitente, que jamais se apazigua? São soluções sempre artesanais, Lacan advertiu.

Se o erotismo é aquilo que sai de mim e vai em busca de ligação com algo no outro, deixo nestas perguntas uma parte deste convite ao jogo com o leitor.


REFERÊNCIAS

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* Versão modificada de texto publicado no site Lacaneando e como capítulo do livro organizado por Patrizia Corsetto: Amor, Desejo e Gozo, publicado pela Calligraphie em 2017.